quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A graja dos bichos!

O que define um livro como bom? Ou melhor, quem define um livro como bom? O próprio leitor? Se for o caso, defino aqui: O livro “A revolução dos bichos”, de George Orwell como bom. Aliás, muito bom.
Quando estava no ensino médio, recebi a recomendação de um professor de história para que lesse esse livro. Há algumas semanas, passeando por uma livraria, me deparei com ele, e resolvi comprá-lo.
O autor, George Orwell, é caracterizado por criticar regimes políticos em seus livros. Em “A revolução dos bichos” não é diferente. Neste caso, a crítica é contra o comunismo. Porém, usando de uma linguagem muito simples, e com personagens um tanto quanto engraçados, ele desenvolve uma trama bastante interessante.
A história se ambienta em uma pequena cidade rural no interior da Inglaterra. Cansados da exploração e da cobrança excessiva feita por seus donos, os animais da “Granja Solar” se revoltam, expulsam os humanos e instituem um regime igualitário e aparentemente honesto entre todos eles. O lugar passa a se chamar “Granja dos Bichos”, e fica sob a liderança dos porcos. São instituídos mandamentos definindo que “todos os animais são iguais”. O trabalho é dividido de acordo com a capacidade de cada um, e a fazenda começa a prosperar, mesmo sem a presença dos humanos. Aliás, os humanos e seus hábitos são duramente criticados, e proibidos de imitação.
Porém com o tempo, as coisas começam a mudar. Os porcos, cientes de sua grande inteligência e influência sobre os outros animais, começam aos poucos mudar o sentido das regras, para favorecimento próprio. Quem desconfia é convencido por algum deles que havia pensado errado. As tentativas dos humanos em retornar à fazenda, os contra-ataques dos animais e as brigas internas (entre os porcos) fomentam mais essa influência, que aos poucos começam a utilizar a força, com a ajuda dos cães, para instaurar suas decisões.
Percebe-se que a igualdade dos bichos então dá espaço para um certo tipo de ditadura sanguinária, onde aquele que se pronuncia contra é executado na frente dos demais. Os atos que antes foram condenados por todos, agora passam a se tornar comum entre os porcos, como morar na casa dos humanos, vestir suas roupas e até caminhas sobre duas patas. O medo é instaurado na granja, porém sempre com o clima de parceria e camaradagem. Os animais, o tempo todo, são induzidos a acreditar que os atos dos porcos são em benefício de todos. Inclusive o fato deles (os porcos) receberem mais alimentos que os demais animais, que são castigados pela fome e pelas estações do ano.
Em uma crítica muito clara, Orwell define cada animal como uma classe da sociedade. Os porcos são os políticos que aproveitam da inocência e até ignorância da população para instaurar idéias que beneficiam a si próprios, não permitindo sequer a liberdade de expressão. O cavalo representa a força bruta, o proletariado, que só sabe trabalhar, e não fazer mais nada. O burro, que no livro é retratado como um animal inteligente, não participa das discussões, preferindo ficar calado diante da ignorância dos demais. Os outros animais que são citados representam a parcela da população totalmente alienada à política, que só faz aceitar ordens e nada mais.
Os humanos, por sua vez, são retratados de forma muito vaga, e só ganham destaque próximo ao final do livro. E o diálogo entre os “duas pernas” e os “quatro patas”, conforme são citados no livro, é feito de forma natural, como se um animal tranquilamente conversasse com um humano.
No posfácio do livro, Orwell conta que teve a idéia de escrever esse livro após ver, em uma caminhada que realizava, um menino chicoteando um cavalo cansado. Cada vez que o cavalo diminuía o ritmo, levava uma chicotada. Ele pensou então que se aquele animal resolvesse se voltar contra o menino, facilmente venceria.
A forma em que o autor cria os diálogos no livro, e como retrata com riqueza a situação que se encontram os animais deixa o texto mais interessante, e curioso de se ler. A cada final de um capítulo, surge a vontade de saber o que acontecerá logo em seguida.
Porém em um determinado momento, a contagem do tempo fica mais acelerada, e o texto mais generalizado. É como se o autor tivesse cansado de escrevê-lo, e tivesse adiantado a história para logo chegar ao final. O destino de alguns personagens que até então eram importantes na trama é retratado de forma muito vaga, e em alguns casos, sequer são citadas. Os atos absurdos dos porcos não são mais questionados pelos outros animais, coisa que acontecera em todo o livro, e sequer uma justificativa é dada para isso.
Mas o final do livro é o grande trunfo da história inteira. Principalmente o último parágrafo. Ali é possível reconhecer sintetizada, toda a crítica que o autor quis fazer durante todo o livro. Não era exatamente o que eu esperava, mas fecha com dignidade o conto de Orwell.
Sobre o comunismo, lembro-me somente alguns detalhes que estudei nos tempos da escola. Após ler esse livro, ficou inevitável a comparação com o atual regime político brasileiro. Em escala extremamente menor, pode-se dizer que quem está no poder hoje, chegou lá prometendo igualdade entre todos, mas depois que conseguiu, mudou o discurso. Fico então no aguardo de um novo livro que conte a saga da “Granja dos bichos” em terras brasileiras.

A melhor caçada!

"A caçada". Taí um filme que eu indico para todos assistirem. Principalmente para quem se formou, estuda ou pretende estudar jornalismo. É um prato cheio, a essência da profissão. Esqueçam apresentadores de telejornais, repórteres de celebridades ou coisa parecida. A realidade da profissão, que deve instigar todos aqueles que nela atuam ou pretendem atuar está sintetizada neste filme. O que me fez querer assistí-lo: A frase na capa do DVD: "Como eles encontraram um criminoso de guerra que nem a CIA conseguiu encontrar?".

Bom, vamos ao que interessa. "A caçada" conta a história de três jornalistas: Simon Hunt (Richard Gere), Duck (Terrence Howard) e Benjamin Strauss (Jesse Eisenberg). O primeiro, um ótimo correspondente de guerra e juntamente com seu fiel companheiro (Duck) faz as melhores coberturas em cenários caóticos no mundo todo. Porém um dia, diretamente da Bósnia, Simon tem um surto em rede nacional, ao vivo, e joga tudo pro alto. Como consequência, é demitido, e passa a vagar pelo mundo tentando vender alguma matéria para alguma rede de televisão.

Anos depois eles se reencontram, novamente na Bósnia. Duck agora é diretor dos cinegrafistas da rede de TV onde trabalha, e leva "a tiracolo" o foquinha Benjamin. Simon conversa com Duck e o convence a fazer a melhor matéria de todos os tempos: ir atrás de um criminoso de guerra, escondido nas montanhas dos Balcãs. Benjamin ouve tudo, e praticamente implora pra ir junto.

Antes, deixe-me ambientá-lo: A Bósnia fazia parte da antiga Iugoslávia, que era uma nação formada por outras "pequenas nações". Com a crise do comunismo, em 1991, as regiões da Eslovênia e da Croácia declararam independência e fizeram eleições presidenciais. Em 18 de setembro, seguindo o exemplo desses países, a Macedônia também declarou sua independência. Quase um mês depois, em 15 de outubro, a Bósnia-Herzegovina fez o mesmo. Em todos eles houveram conflitos, pois a Iugoslávia se recusava a reconhecer a autonomia dessas regiões. No caso da Bósnia, o governo foi concedido a um governante muçulmano, mas aproximadamente 33% da população do país era cristã-ortodoxa. A ONU (Organização das Nações Unidas) tentou intervir, mas de nada adiantou. Daí para uma crise entre a população e o governo foi um passo só, e o governo da Iugoslávia, liderado por Slobodan Milozevic, aproveitou pra fazer as "limpezas étnicas" que lhe bem entendia. O conflito só teve fim em 1995, quando a maior potência mundial, os Estados Unidos, interveio exigindo que Milosevic parasse. Foi o maior conflito étnico-religioso que ocorreu na região - foram mais de 250 mil mortos.

Voltando ao filme, a proposta de Simon era então ir atrás de um dos criminosos escondido em uma pequena cidade próxima a Sarajevo, a capital. A intenção é fazer uma entrevista com o "Raposa". Em um carro "emprestado pelo vizinho", um violão nas mãos e vontade nas cabeças, os três embarcam pela destruída Bósnia. Logo as dificuldades começam a aparecer. Onde o bandido está escondido, ele é praticamente venerado pela população local. Quem tenta se aproximar dele é visto com desconfiança por todos. Isso é percebido pelo garçom que atende os jornalistas na beira da estrada. "O Raposa está em todo lugar. Vocês não devem se aproximar dele", diz o cara, com afeição bem amarrada. Constantemente confundidos com agentes da CIA, eles começam a enfrentar verdadeiras dificuldades. A começar pelo agente da ONU, Boris, que mesmo com as credencias de jornalistas nas mãos, afirma que eles são da CIA. A polícia local pouco ajuda, e principalmente, pouco se preocupa com esses criminosos. A partir daí eles correm sérios perigos. Ao invés de caçarem o Raposa, eles passam a ser caçados por ele e por outros criminosos escondidos ali também. Não demora muito para que uma arma seja apontada para a cabeça de cada um. Mas a essência do filme está justamente aí: eles não desistem. Tá certo que há um segundo motivo pra isso, mas se visto pela ótica de Benjamin, o foquinha sem nenhuma razão pra estar ali, a profissão de jornalista é bem fundamentada. É ele que não deixa a peteca cair no momento em que eles estão com uma importante informante.

Enfim, quando encontram o Raposa, a situação é extremamente diferente. Não vou contar pra não estragar a surpresa, mas confesso que nesse momento do filme, é praticamente impossível não prender a respiração. O nervosismo dos personagens toma conta de quem assiste o filme.
O final dele no entanto foge um pouco das "regras jornalísticas". Confesso que se fosse eu na situação, não pensaria em fazer diferente, mas estaria praticamente rasgando o diploma que acabei de receber.

Fica a dica então para quem gosta de filmes neste estilo. A propósito, a história do filme é real, mas ao invés de 3 eram 5 jornalistas procurando o "carniceiro de Belgrado", ou Radovan Karadzic, um notório criminoso e sujeito diretamente responsável pelo assassinato e tortura de milhares de muçulmanos na região. O resultado foi publicado no artigo "Como passei minhas férias de verão" da revista Esquire (leia). O mais curioso do filme é a primeira cena, uma frase dizendo "Apenas as partes mais ridículas dessa história são verdadeiras". Tem como não querer ver depois disso? Abaixo segue o trailler.